Jurisprudência brasileira dificulta ação contra liminar de instâncias inferiores

Jéssica Celestino Ferreira*

Deu um nó na cabeça de vocês com esse título? Pois bem, imaginem a seguinte situação: durante o processo penal, em primeira instância, ocorre uma flagrante ilegalidade que pode comprometer a liberdade de ir e vir do réu. O advogado criminalista, então, impetra um habeas corpus no tribunal contra essa ilegalidade e faz um pedido liminar.

O desembargador relator indefere a liminar, requisita informações à autoridade coatora (juiz de primeiro grau) e dá seguimento ao procedimento, para que o mérito seja julgado pelos desembargadores. Porém, o julgamento do mérito pode demorar meses e o réu está preso por causa de uma manifesta ilegalidade. O que fazer neste caso? Existe algum recurso a ser interposto contra a decisão de indeferimento da liminar do habeas corpus?

A legislação processual penal não prevê a possibilidade de interposição de recurso contra a decisão de indeferimento de liminar no HC. Isso porque também não há expressamente na lei a possibilidade de concessão de liminar nesta ação constitucional, sendo que esta foi uma construção jurisprudencial ao longo dos anos. Afinal, se no mandado de segurança há a possibilidade expressa de pedido liminar, por que no habeas corpus, que tutela um dos maiores direitos fundamentais (liberdade de ir e vir), não poderia também?

Não seria possível a interposição de recurso ordinário constitucional, haja vista que este somente é cabível após a análise do mérito de uma ação constitucional. Também não seria possível a interposição de um agravo regimental, pois, como dito acima, a liminar em habeas corpus não possui previsão no ordenamento jurídico. Ou seja, não é cabível um recurso contra uma decisão que não está prevista na lei.

A solução encontrada seria, então, impetrar um outro habeas corpus contra a decisão que indeferiu o pedido liminar do HC anterior (lembrando que o habeas corpus não é recurso, e sim uma ação autônoma). Até mesmo porque se estamos falando do indeferimento de uma liminar, há a necessidade de uma solução mais célere (como o habeas corpus) para resolver a questão.

Contudo, em 2003, o STF publicou a súmula 691, a qual dispõe que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. O STJ também aplica a referida súmula para obstar o conhecimento de HC contra indeferimento monocrático de liminar em tribunal de segunda instância. Ou seja, os tribunais superiores passaram a criar dificuldades para o enfrentamento da defesa contra o indeferimento de liminar em sede de habeas corpus, situação que caracteriza sim um cerceamento de defesa.

É importante destacar que o que está em jogo é a liberdade de ir e vir de uma pessoa que sofreu uma ilegalidade em sua prisão. Dessa forma, data máxima vênia, a referida súmula apresenta uma inconstitucionalidade material, pois afronta o princípio constitucional da ampla defesa e o direito fundamental supracitado. Inclusive, em 2006, houve uma proposta de cancelamento da súmula 691, mas que, contudo, foi rejeitada.

Não obstante, apesar da referida súmula ainda ser aplicada, existem algumas situações excepcionais nas quais ela poderá ser afastada no caso concreto. E é esse ponto que merece destaque para a prática da advocacia criminal.

Basicamente, são três hipóteses de afastamento da súmula 691, sendo que, cumulativamente, deve haver uma afronta à liberdade de ir e vir. São elas:

a) Quando a decisão é manifestamente ilegal/com abuso de poder;

b) Quando há flagrante afronta ao entendimento da corte revisora;

c) Quando a decisão é teratológica (absurda, sem qualquer razoabilidade).

Na prática, é interessante que o impetrante do habeas corpus contra decisão monocrática denegatória de liminar em outro HC abra um tópico no writ para explicar o porquê de aquele caso específico ensejar o afastamento da súmula 691 do STF.  

Ou seja, apesar da problemática do texto da súmula do Supremo, existem flexibilizações que podem garantir a liberdade de uma pessoa que sofreu uma flagrante ilegalidade. Cabe ao advogado criminalista redigir um bom habeas corpus combativo à decisão monocrática que indefere a liminar, para que a liberdade de seu cliente seja restabelecida da forma mais célere possível. 

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